quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Água de torneira

        Poucas coisas na vida são tão fugidias e únicas como água de torneira. Isso. Água de torneira. Repare: uma vez a torneira aberta, não há mais escapatória. Ela corre, deslizando em seu prórpio corpo e vai. Não há outro destino para a água de torneira que não seja a ida - palavra cheia de mistério que liberta para lugar nenhum. Não quero falar das que lavam calçadas ou caem do céu, porque essas têm destino e finalidade. Elas têm período de validade e utilidade prática. A minha angústia é a água de torneira porque sobre essa ninguém sabe o que falar, ou para quê. Ela só existe enquanto água da saída da torneira até o início do ralo. Ela é aquilo e somente aquilo. O que será depois do ralo e só incerteza. Há quem diga que ela é modificada e volta para a mesma torneira de onde saiu. E não seria essa água outra? Se ela é modificada, admite-se que já não se trata da mesma. Então não há 'volta'; há um novo início para uma nova água. Água de torneira existe tão pouco que nem toma consciência de sua própria existência. Também nós não temos consciência da nossa, mas existimos tanto...

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Que parte direto de Bonsucesso...


       Nesse vagão, sujo, empoeirado de pensamentos, encontram-se cansaços de dias inteiros, suores de vidas exaustas e bocejos variados. Os olhos cansados, apoiados sobre livros de autoajuda, procuram nas linhas também exaustas abrigo dos vendedores, ambulantes, pedintes perdidos... Todos conectados por compartilharem, ainda que indiretamente, pensamentos prazerosos de descanso e de comida quente.  Chupetas, pregadores, baterias, pentes, toalhas, brinquedos, confetes, compassos, peneiras, pulseiras, relógios, despertadores, amoladores, espremedores - que espremem o bagaço da laranja e da paciência dos passageiros. Compre um, leve três! Aqui as oportunidades são únicas e o cliente nunca sai no prejuízo. Aqui todo empurrão é  movimento de guerra e todo conforto é privilégio de poucos. Com licença, obrigado, é direto? Que dia quente. Que vida morna. Quem vem da Central do Brasil é quem vai para o canto dele à noite.  E ainda agradecem nossa preferência; uma maravilha!