domingo, 8 de junho de 2014

3/4

Quem já se encontrou em vida que se sustente
Quem não que se corte e se remende e se reestruture e se reinvente
E quem em pedaços se entende tem vários inteiros diferentes para dar
Copo vazio também está cheio [de ar]

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Gata Todo Dia

           Linda que era um estrondo, estava decidida a me sair bem na calçada, entre o bafo quente da obra do vizinho e o vem e vai das crianças espevitadas da casa de cima. Pronta, de peito em pé, apertada numa blusinha cor-de-nada, soltei os cabelos como quem parece pouco interessada em ser deliciosa – gata, todo dia. Não desejava nada que não fosse só ser observada, deliberadamente ampliada pelo zoom dos olhos dos homens, das mulheres, das crianças e dos cachorros magrelos que acompanhavam o sacolejar do homem da feira, sempre com seu fiu-fiu barato e cheio de personalidade.  Saí pelo portão arranhando os dentes, ácida, descalça, num espreguiçar sem propósito, forçando uma despretensão sabida. Cadeira de praia, óculos de lince, um perigo só. O Sol estava a pino, as pessoas se embaraçavam na rua . Dois braços cruzados embaixo de dois mamilos quase aparentes: duas bolas perfeitamente redondas achadas através de uma tecido poroso. Depois de me certificar da minha desenvoltura mole, esperei pelo tiroteio. Eu, tábua de dardo, já estava pronta para ser alvejada. Uma espera dolorida! Jogo frio, sem puxadas, sem cantada barata, sem que-que-isso-Morena. A rua e a gente passante eram só a rua e a gente passante.  Gata molhada, toda fria, depois que cai de quatro, anda lenta, sem olhar para os lados, e vai se indo, impassível, impossível de sofrer. Cadeira no braço, aperto nas coxas, braços tesos na cintura, voltei retilínea para dentro. A criançada voltou a gritar, e eu, suspeitíssima da minha gatice, fui me perceber no espelho velho do banheiro.