sexta-feira, 3 de maio de 2013

Do bom convívio dos passageiros

        Dentre todas as práticas que exercemos durante um dia, existe uma que parece passar despercebida: a dinâmica do ônibus coletivo. Tão normal quanto o 'bom dia' amarelo do motorista ou o bocejo do cobrador, a dinâmica do ônibus coletivo conta com a participação de todos os que nele estão, embora não notemos.
             Conseguir o assento da janela significa ocupar o trono do vencedor. Dali, você pode controlar a possibilidade do vento e ter o privilégio de optar pelo encontro com os olhos alheios ou pela  paisagem - forçadamente interessante. Não há um só que não suba os dois degraus já imaginando o embate que será a viagem caso nenhum trono esteja vago. Caso isso ocorra, ela já se apresenta desafiadora. Se a constatação vier acompanhada de um troco cheio de moedas é um sinal de que o dia não vai ser bom. 
             Lá dentro, é uma balé de passageiros.  Todos procuram a distância, o desencontro, o poder da janela. Somos puros sinais vermelhos em busca das saídas de emergência. O combate se inicia pela janela e nela se estabelece. Só é necessário um assento, duas pessoas e uma boa janela para a dança começar e os bailarinos se desafiarem como em uma batalha. É uma dança-guerra bonita de se ver. Cada um com seu corpo, tentando - ou não tentando - uma harmonia espacial com o corpo do outro.  É um jogo de tetris humano em velocidade lenta.
            Há ainda uma inimiga comum declarada: a mochila. Além de servir estrategicamente para ocupar um lugar, compromete com sua delicadeza de bigorna a paz daqueles que ocupam o espaço renegado: o corredor. Nele, a guerra fria é ainda mais quente e só sobrevive à tensão quem está de fato preparado para o movimento da dança-guerra. 
              Velados pela apatia do cobrador vamos nós, brigando pelo poder enquanto o motorista sorri pelo retrovisor, orgulhoso de sua brincadeira diária.