terça-feira, 11 de novembro de 2014

Ou

Poesia
Todo
Dia
É
Sinal
De
Dor
Ou
Alegria?

Minhas palavras:

Verdades inteiras
Laranjas perfumadas
Cachaças curtidas
Estilhaços reunidos
Músicas certeiras
Músicas incertas
Sonhos asmáticos
Amores lexicais
Léxicos sexuais
Abraços de gás hélio
Beijos sôfregos
Colos fortes
Sementes furiosas
Raios irados
Tempestades aveludadas
Venenos curativos
Convites de vidas
Pedidos desesperados
Nuvens indomáveis
Plantas rasteiras
Cobras astutas
Rios sem freios
Gritos no escuro
Corações engarrafados.


Meios ouvidos.

Manifesto Incendiário

                  Todo texto é um milagre; todo milagre é uma exceção. Todo texto é uma estrela-novidade, uma bandeira fincada no oceano. Toda estrela é o resquício de algo que já existiu e que ainda brilha aos nossos olhos atrasados. De tempos em tempos, temos de incendiar os textos que fazemos. Queimá-los. Purificar as letras com fogo que devora. Lançar sobre a superfície deles essa fome de fogo que come e que só deixa pó. Queimá-los não é o fim deles, é o começo de uma nova etapa. Queima-se o texto, mas as realidades instauradas por ele vão parar nas vias respiratórias, no pulmão e de lá tomam rumo para as vias sanguíneas, para a raiz do osso, para a retina, para a gengiva, para as unhas, para a sola do pé. Quando queimamos os textos e eliminamos sua manifestação física, colocamos à prova o quanto dele existe para além do que está posto e testamos a nós mesmos, considerando que a mensagem que nele reside pode passar a existir somente em espíritos preparados, que sabem para onde olhar. Queimar os textos e eternizar a mensagem ou manter os textos e efemerizá-la? Não sou dono do que escrevo, definitivamente, mas escolho parte do meu destino e posso me rebelar ou me calar frente às palavras que saem de mim. É dia de rebelião.

domingo, 28 de setembro de 2014

Maré


Bem que a gente
Quando Mar
Pudesse ir...
E rabiscar
Tanto a pedra do Arpoador
Como as (tuas) pernas, caminhar

sábado, 27 de setembro de 2014

Quase um romance

Pacto de coexistência pacífica entre as noites de sábado e o coração dos apaixonados:
 
          Nenhuma ansiedade deve se mostrar grande suficiente a ponto de comprometer o bom andamento das horas. Toda saudade tem de ser ponderada e regada a vinho barato - sem extremos, não é de bom tom se embriagar, exceto em ocasiões verdadeiramente oportunas. À Lua, dois minutos de olhares é o limite aceitável. Não se tolera suspiros ou coisas semelhantes; todo o céu deve ser tido como inimigo absoluto. Toda lembrança deve ser visitada com cautela, elas ludibriam o corpo, enganam a mente, serpenteiam desejos que vão da tampa da cabeça ao torso da espinha. As declarações devem apresentar certo grau de racionalidade, embora o vinho possa acentuar aqui e acolá alguma ponta de descontrole carnal ou desequilíbrio emocional. (A ansiedade pode ser disfarçada com simpatia - ainda estamos em busca de formas mais apropriadas de substituições) As ligações devem acontecer entre 19h e 21h. Depois disso, chega-se à zona vermelha de manutenção do pacto, e todo deslize pode ser determinante para seu rompimento. Na zona vermelha, o acesso a fotos também se torna restrito, devendo se limitar a duas ou três  - a depender da intensidade das sensações.
 
Na dúvida sobre alguns dos itens apontados, dormir é a opção mais acertada.

AMOR (ou o que eu penso dele)

"O amor sempre é amoroso; mas umas vezes é amoroso e unitivo, outras vezes amoroso e forte. Enquanto amoroso e unitivo, juntas extremidades mais distantes: enquanto amoroso e forte, divide os extremos mais unidos."
               Ele - o amor -, como unitivo, não pode ser outra coisa senão a própria união que lhe dá nome: todo coesão, vai na contramão do aos do mundo e expande a existência da vida em um corpo outro. Como forte, é a fragmentação da unidade que ele mesmo construiu; vai se alimentando de si mesmo a partir da matéria nutritiva que pariu. Um se traduz e se revela pela compreensão do outro. É o oito deitado, a Lemniscata de Bernoulli: sem possibilidade  de quebra, fazem voltas loucas e tentam, sem sucesso, escapar de uma condição natural, infinita e, por isso mesmo, imutável, cuja solução é tão somente a experiência, o (des) encontro, a fusão, a transa, o pacto de sangue, o elo. Vivem, assim, na esperança de quem, algum dia, terão sua identidade única, sem saber que, na verdade, um, sem o outro, é apenas a experiência da inutilidade.

Nossa absolvição

               Toda segunda-feira traz consigo uma verdade difusa. Toda manhã de segunda-feira tem um pouco de mistério e de segredo, de começo e de novidade, de preguiça e de renascimento. A segunda-feira é a maneira inevitável que encontramos para lidar com o amargo de uma vida que quase parece se repetir. Todas as segundas são já o confronto inescapável com o por vir e, por conta dessa sua natureza devoradora, ficamos em um estado de moleza proposital, em uma lentidão masoquista prazerosa.... Todas as desgraças que acontecem na segunda-feira são culpa da própria segunda-feira, e isso traz certa segurança de que estamos imunizados dos nossos erros por conta de uma energia que está acima de nós e que tudo pode. Somos totalmente inocentes numa segunda-feira. Ela é o dia autoexplicativo, intransitivo, impossível de não ser; ela é o dia em que os que se amam contam nos dedos, em que o café tem mais gosto de café, em que toda verdade é mais dolorosa. A segunda-feira, a prova-dos-nove de nossas responsabilidades, é um gole de pinga no desjejum da semana

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Big Bang

            Viver não é experimentar o óbvio, já sabemos. E não é à toa que estamos sempre na espera pelos encontros, pelas sinuosidades, pelas curvas acentuadas, pelas derrapadas, pelos inesperados, pelas alterações cardíacas, pelas coisas impalavráveis, pelas coisas impronunciáveis, pelo erro, pela fuga, pelo desconserto, pelas deturpações, pela secura na boca, pelo tremelicar das pernas, pelo borboletear na barriga, pela pulsação do peito, pela surpresa, pelo xeque-mate, pelos olhares oblíquos, pela sudorese das mãos, pelo último gole de pinga, pela última música da noite, pelo porre, pelo estrago, pela alteração de pressão, pela alteração de glicose, pela alteração dos hormônios, pelo dilatar das pupilas, pelo desequilíbrio, pelo desalinho, pelo triturar, pelo desestruturar.
             Estamos em busca, todos os dias, por aquilo que não é da ordem do dia. Sair do eixo natural de tranquilidade - seja ela emocional ou de qualquer outra natureza - é prazeroso e perigoso. Toda forma de emoção é um perigo delicioso.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Duas pernas e o mundo

             As pernas de pinça dela, que prendem todas as pontas dele, prendem também todos pedidos dos homens e todos os seus desejos. Ela sabe de si e de toda sua existência de pinça que pressiona e prende o eixo dos corpos presos. São duas as pernas longas de pinça, que prendem e apreendem o mundo quase todo - ou todo mesmo. E, só por ser pinça e prender tudo o que quer prender, sabe que também pode soltar com a mesma facilidade e indiferença. É pinça poderosa essa mulher. Às vezes, questiona se é a própria força talentosa que prende o mundo, ou se o mundo, já desfalecido e vulnerável, é preso por deleite próprio.

domingo, 8 de junho de 2014

3/4

Quem já se encontrou em vida que se sustente
Quem não que se corte e se remende e se reestruture e se reinvente
E quem em pedaços se entende tem vários inteiros diferentes para dar
Copo vazio também está cheio [de ar]

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Gata Todo Dia

           Linda que era um estrondo, estava decidida a me sair bem na calçada, entre o bafo quente da obra do vizinho e o vem e vai das crianças espevitadas da casa de cima. Pronta, de peito em pé, apertada numa blusinha cor-de-nada, soltei os cabelos como quem parece pouco interessada em ser deliciosa – gata, todo dia. Não desejava nada que não fosse só ser observada, deliberadamente ampliada pelo zoom dos olhos dos homens, das mulheres, das crianças e dos cachorros magrelos que acompanhavam o sacolejar do homem da feira, sempre com seu fiu-fiu barato e cheio de personalidade.  Saí pelo portão arranhando os dentes, ácida, descalça, num espreguiçar sem propósito, forçando uma despretensão sabida. Cadeira de praia, óculos de lince, um perigo só. O Sol estava a pino, as pessoas se embaraçavam na rua . Dois braços cruzados embaixo de dois mamilos quase aparentes: duas bolas perfeitamente redondas achadas através de uma tecido poroso. Depois de me certificar da minha desenvoltura mole, esperei pelo tiroteio. Eu, tábua de dardo, já estava pronta para ser alvejada. Uma espera dolorida! Jogo frio, sem puxadas, sem cantada barata, sem que-que-isso-Morena. A rua e a gente passante eram só a rua e a gente passante.  Gata molhada, toda fria, depois que cai de quatro, anda lenta, sem olhar para os lados, e vai se indo, impassível, impossível de sofrer. Cadeira no braço, aperto nas coxas, braços tesos na cintura, voltei retilínea para dentro. A criançada voltou a gritar, e eu, suspeitíssima da minha gatice, fui me perceber no espelho velho do banheiro.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Carta de precipício

           Escrevo porque se faz necessário que saiba sobre coisas que só eu sei. Pedro, acordei. Encostei meus pés no chão gelado do quarto e corri para o banheiro, para o conforto daquele tapetinho lilás que secou os seus pés quando saía do chuveiro e me contava sobre a diferença entre menta e hortelã. Eu nunca entendi bem a diferença, mesmo com a clareza inigualável de suas explicações - sempre muito bem acompanhadas de duas mãos que giravam no ar.
          Olhei o espelho velho e fosco sobre a pia e não gostei, Pedro. Acho que cansei de mim. Acho que não quero mais pegar o jornal pela manhã, nem passar o café naquele coador que a mamãe me deu. Pedro, você sabia que a mamãe me deu aquele coador no Natal passado? Às vezes, eu percebo que você não me nota, Pedro. Se me nota, penso que não me percebe toda inteira e isso me deixa aflita.
            Detesto essa mania que tem de dizer brincando o que sério nunca diz. Detesto, na verdade, um bocado de coisas em você, mas te adoro porque você sabe que eu rio das suas seriedades com toda sinceridade que me é possível. E eu gosto, Pedro. Gosto de sorrir.
             A carta, meu querido, é para pedir que cuide bem de minha Estelita. Ela come duas vezes ao dia e não irei em paz com a incerteza de que não cumpriu religiosamente com a obrigação de levá-la para sua casa. Ela é como a dona, vai se enroscar nas suas pernas magras com facilidade. 
           Não te culpo por só ver em mim uma ouvinte fiel de suas piadas. Eu não sei fazer mais que isso. Eu detesto esse batom preto que estou usando e acho até que você também. Será que foi ele que te impediu de me notar?
              Ai, Pedro, se soubesse das borboletas que já criei e que morreram na barriga mesmo só por dizer meu nome...

           Agora eu vou, Pedrinho. Não ligue para minha casa. Dona Olga detesta barulhos e eu já não mais estarei aqui para ouvir você me ligar e me dar, entristecido, alguma explicação. Não terei mais tempo para pensar na diferença entre a menta e a hortelã, mas quero que saiba que adorava aquelas explicações. Quando aqui chegar, cubra meu corpo com aquele lençol florido que eu adoro. Acho que ficarei bem sob ele, e aquelas tulipas vermelhas estampadas me alegram muitíssimo.

Um beijo bom.


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Mingau



               Absolutamente. É na espera pela iniciativa que o mingau desanda, porque a panela, quando quente demais por estar muito tempo no fogo, queima o leite e solta um bocado de saliências que vão de pouquinho, como quem nada quer, empelotando tudo. O movimento da colher, que antes era feitinho em seu girar carrossel, depois de muito tempo fazer o que só sabe – girar –, perde sua graça natural de colher girante – de pau ou de qualquer coisa – e vai tropeçando nas bordas da panela, talvez à procura do ritmo perdido.  E a iniciativa que inicia o desejo de comer o mingau pronto é também a que dá fim ao processo de preparo, embora, muitas vezes, o desejo de comer se encerra no próprio desejo, e o mingau, por si só, já não serve para nada.  Talvez seja esta a problemática global do processo da receita: a distância curta, porém significativa, entre o prazer que se finda no processo e o gozar que reside para além do processo, que se esgota no comer. Tendo, então, duas mãos, duas colheres e um mingau, a grande distância pequena que separa pensar e comer, durante o preparo, pode resultar em delícia ou dissabor.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Tempos oblíquos

                        Não é novidade nenhuma que a desigualdade social se reflete nas relações interpessoais e, nesse sentido, na própria dinâmica organizacional da população. Também não é novidade que vivemos em uma país violento, em que estamos mais presos do que os presos. O que parece apresentar certo tom de ineditismo é o discurso oblíquo e em grande parte contraditório daqueles que postulam com veemência a legitimidade de atos que procuram exaltar uma suposta justiça feita. E esse discurso torpe e leviano demonstra não só um pensamento que é, por si só, retrógrado, mas também evidencia a própria condição medíocre em que nos colocamos quando, munidos de uma fajuta capacidade de fazer o certo, prendemos pescoços em postes. O que se prende eu já sei, está nos noticiários todos os dias. E o que se aprende? Ou melhor, e o que se apreende em relação a tudo isso? E não me diga que sou hipócrita e que, se meu Iphone tivesse sido roubado, eu também quereria espancar um ser – ainda humano. Somos assaltados todos os dias, por instâncias que mal supõe nossa vã filosofia. Não precisamos de mais umbigocentrismos. Tampouco precisamos dessa justiça que só se faz presente no preto, no pobre, no favelado.  Você não precisa adotar um bandido para mostrar que faz algo pela sociedade e eu não preciso adotar essa justiça para mostrar que me importo.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Sempre tem gente para chamar de nós




       Ontem, quando perguntado por uma amiga sobre o que fazer diante da sensação de estar perdido no mundo, respondi, categoricamente, como quem esperou um dia inteiro por aquele momento: “Acho que isso é um bichinho errado, que só entra na nossa cabeça quando perdemos nosso equilíbrio próprio.” Não sei se aquilo fez algum sentido para ela, mas, para mim, pareceu um grande punhado de palavras combinadas que não diziam por mim, só diziam. Foi como ser dotado de um conhecimento que sempre vou buscar na opinião alheia, quando, na verdade, está aqui, comigo, o tempo todo. Com isso, foi inevitável não me perguntar quantas outras coisas eu sei, quantas outras palavras eu tenho, quantas outras saídas eu encontro para os outros e fecho para mim. Somos sábios de dentro pra fora e apagamos as luzes quando nos voltamos para dentro.  Ela se satisfez – ou parece que – e foi dormir, mas eu não dormi. Eu fiquei. E as palavras que eu mesmo proferi com propriedade de quem passou por experiências muitas ficaram dançando descompassadas, procurando sentido justamente em quem as produziu: eu. Talvez seja o caso de achar que não somos donos dos conhecimentos que produzimos ou, ainda, que tudo o que pensamos só pode se revelar no outro, nunca em nós mesmos. Pode ser que daí decorra a função prática da amizade e do amor: a necessidade de se construir a partir do outro e do outro fazer o mesmo em nós. Não é à toa que a  sensação de se sentir perdido no mundo - a mesma sensação que ela, você e eu sentimos - está intimamente ligada à perda de uma amizade ou de um relacionamento. A grande questão nisso tudo é o que fica em nós depois das perdas – ou seria o que foi com elas?

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Mel



                  Derramo um pouco de mel nessa bola de mágoa na garganta que lateja e venho. Venho e me faço aqui várias vezes, porque somente assim é possível ensimesmar-se. É preciso estar não só atento, mas seguro e eu estou devagar, enrolando as pontas dos dedos nas pontas da coberta que me cubro devagar. Não me importo que seja devagar. Eu até prefiro. Só quero que seja. Quero que seja eu e o que ensimesmou em mim. Não quero que sobre espaço. Eu quero é que falte tempo para recorrer a qualquer coisa que não seja o caminho que só se faz enquanto eu o faço.  Vou devagar. Lento eu me desfaço.