segunda-feira, 7 de abril de 2014

Carta de precipício

           Escrevo porque se faz necessário que saiba sobre coisas que só eu sei. Pedro, acordei. Encostei meus pés no chão gelado do quarto e corri para o banheiro, para o conforto daquele tapetinho lilás que secou os seus pés quando saía do chuveiro e me contava sobre a diferença entre menta e hortelã. Eu nunca entendi bem a diferença, mesmo com a clareza inigualável de suas explicações - sempre muito bem acompanhadas de duas mãos que giravam no ar.
          Olhei o espelho velho e fosco sobre a pia e não gostei, Pedro. Acho que cansei de mim. Acho que não quero mais pegar o jornal pela manhã, nem passar o café naquele coador que a mamãe me deu. Pedro, você sabia que a mamãe me deu aquele coador no Natal passado? Às vezes, eu percebo que você não me nota, Pedro. Se me nota, penso que não me percebe toda inteira e isso me deixa aflita.
            Detesto essa mania que tem de dizer brincando o que sério nunca diz. Detesto, na verdade, um bocado de coisas em você, mas te adoro porque você sabe que eu rio das suas seriedades com toda sinceridade que me é possível. E eu gosto, Pedro. Gosto de sorrir.
             A carta, meu querido, é para pedir que cuide bem de minha Estelita. Ela come duas vezes ao dia e não irei em paz com a incerteza de que não cumpriu religiosamente com a obrigação de levá-la para sua casa. Ela é como a dona, vai se enroscar nas suas pernas magras com facilidade. 
           Não te culpo por só ver em mim uma ouvinte fiel de suas piadas. Eu não sei fazer mais que isso. Eu detesto esse batom preto que estou usando e acho até que você também. Será que foi ele que te impediu de me notar?
              Ai, Pedro, se soubesse das borboletas que já criei e que morreram na barriga mesmo só por dizer meu nome...

           Agora eu vou, Pedrinho. Não ligue para minha casa. Dona Olga detesta barulhos e eu já não mais estarei aqui para ouvir você me ligar e me dar, entristecido, alguma explicação. Não terei mais tempo para pensar na diferença entre a menta e a hortelã, mas quero que saiba que adorava aquelas explicações. Quando aqui chegar, cubra meu corpo com aquele lençol florido que eu adoro. Acho que ficarei bem sob ele, e aquelas tulipas vermelhas estampadas me alegram muitíssimo.

Um beijo bom.


Um comentário: