quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Mingau



               Absolutamente. É na espera pela iniciativa que o mingau desanda, porque a panela, quando quente demais por estar muito tempo no fogo, queima o leite e solta um bocado de saliências que vão de pouquinho, como quem nada quer, empelotando tudo. O movimento da colher, que antes era feitinho em seu girar carrossel, depois de muito tempo fazer o que só sabe – girar –, perde sua graça natural de colher girante – de pau ou de qualquer coisa – e vai tropeçando nas bordas da panela, talvez à procura do ritmo perdido.  E a iniciativa que inicia o desejo de comer o mingau pronto é também a que dá fim ao processo de preparo, embora, muitas vezes, o desejo de comer se encerra no próprio desejo, e o mingau, por si só, já não serve para nada.  Talvez seja esta a problemática global do processo da receita: a distância curta, porém significativa, entre o prazer que se finda no processo e o gozar que reside para além do processo, que se esgota no comer. Tendo, então, duas mãos, duas colheres e um mingau, a grande distância pequena que separa pensar e comer, durante o preparo, pode resultar em delícia ou dissabor.

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