Perguntaram a mim, à queima roupa, se eu pretendo mudar as pessoas com
as coisas que escrevo. Em verdade, nunca configurei, em minhas
pretensões, a ideia ambiciosa de transformar alguém que não fosse eu
mesmo. E isso vale para a vida de modo geral. Confiante na qualidade
dessa resposta, que, até então, só satisfazia as indagações que eu mesmo
me fazia em silêncio, acreditei que respondia dignamente e ainda dava
margem a certo tom de altruísmo, o que traz aquela sensação de dever
cumprido. Para minha surpresa, a tréplica foi feroz e me atingiu no
ponto mesmo da minha posição confortável, bem na minha imunidade de
escritor sem responsabilidade. Dizia, em termos gerais, que, se eu não
escrevia em função de transformar o outro, não estava escrevendo, mas
apenas agrupando palavras para um prazer narcisista e etéreo. O tiro
certeiro na minha fragilidade me fez atentar e considerar que, talvez,
eu só escrevesse porque um outro existe. Não enxergava, até então, que,
ao procurar ser o centro da minha própria escrita, poderia resvalar no
restante do mundo inteiro. Acho que era esse o grande propósito da
pergunta atrevida: acordar meu sonho tranquilo para a realidade crua à
qual pertenço e sobre a qual pouco sei. Vejo, agora, que escrevo, antes
de tudo, não porque tenho algum tipo de compromisso com a situação do
mundo e das pessoas, mas porque, se assim não fosse, eu viveria o óbvio e
negligenciaria minha própria condição de outro que sente.
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