domingo, 8 de março de 2015

Contra os verdadeiros

                 Criou-se uma ideia equivocada que postula a verdade acima de qualquer coisa. Nessa esteira, não é raro o discurso cheio de personalidade que diz: "Falo a verdade doa a quem doer". O que parece escapar nessa premissa supostamente positiva é que a verdade - preciosa ferramenta, a princípio, purificadora - quase sempre se confunde com uma arrogância ímpar, revelando-se muito mais como uma arma opressora e cruel do que como um bem a ser preservado. Assim, sob o pretexto vulgar de serem portadores da verdade, muitos acreditam gozar de certo prestígio social, de certo prazer que se consolida na crença coletiva da - abre aspas - pessoa sincera - fecha aspas. É de praxe, portanto, discursos racistas, homofóbicos, genocidas, machistas e muitos outros de natureza igualmente criticáveis que se apóiam na lógica esquizofrênica da verdade acima de tudo, como se trouxessem a luz do esclarecimento, quando, na verdade, só ratificam sua própria essência estúpida. É um engano duplo: 1) acredita-se que toda verdade deva ser cuspida indiscriminadamente nos olhos de quem quer que seja; 2) esquece-se, ingenuamente, do questionamento sobre sua própria legitimidade. Dispenso, a partir disso, todo ato de degradação humana que se traveste de verdade absoluta. Repudio as verdades de quem pretende promover apenas o engano, a confusão, as enfermidades, o desencontro, as mazelas. Nego, sem nenhum medo de parecer inflexível, a verdade que só é verdade porque se mostra convenientemente incômoda.

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