Criou-se uma ideia equivocada que postula a verdade acima de qualquer
coisa. Nessa esteira, não é raro o discurso cheio de personalidade que
diz: "Falo a verdade doa a quem doer". O que parece escapar nessa
premissa supostamente positiva é que a verdade - preciosa ferramenta, a
princípio, purificadora - quase sempre se confunde com uma arrogância
ímpar, revelando-se muito mais como uma arma opressora e cruel do que
como um bem a ser preservado. Assim, sob o pretexto vulgar
de serem portadores da verdade, muitos acreditam gozar de certo
prestígio social, de certo prazer que se consolida na crença coletiva da
- abre aspas - pessoa sincera - fecha aspas. É de praxe, portanto,
discursos racistas, homofóbicos, genocidas, machistas e muitos outros de
natureza igualmente criticáveis que se apóiam na lógica esquizofrênica
da verdade acima de tudo, como se trouxessem a luz do esclarecimento,
quando, na verdade, só ratificam sua própria essência estúpida. É um
engano duplo: 1) acredita-se que toda verdade deva ser cuspida
indiscriminadamente nos olhos de quem quer que seja; 2) esquece-se,
ingenuamente, do questionamento sobre sua própria legitimidade.
Dispenso, a partir disso, todo ato de degradação humana que se traveste
de verdade absoluta. Repudio as verdades de quem pretende promover
apenas o engano, a confusão, as enfermidades, o desencontro, as
mazelas. Nego, sem nenhum medo de parecer inflexível, a verdade que só é
verdade porque se mostra convenientemente incômoda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário