Em verdade, o amor pouco tem a ver com o coração. Retifico: nada tem a
ver o amor com o coração. É na garganta que reside a parte mais sensível
dos amadores. Digo porque ela segura as pontas de todo rebote negativo
ou instaura, por meio de palavras, a existência do amor como sentimento
que existe mesmo. É obscuro, pois, imaginar que exista uma forma de amar
que não seja dependente de uma garganta resistente; ela é o cinto de
segurança contra as enfermidades eventuais, retrocede
ou impulsiona as manifestações, que são, antes de qualquer outra coisa,
a ação direta não de um coração que pulsa, mas de uma garganta que toma
coragem e admite responsabilidades. O coração é, na verdade, um álibi
confortável, um réu inocente que aceita - e, às vezes, nega - o fardo
pesado de uma culpa sem dono. É uma ilusão conveniente para quem ama
acreditar que a essência de um órgão involuntariamente pulsante carrega
consigo as diretrizes para o sucesso ou insucesso de uma relação
amorosa. Ao contrário disso, imaginar que somos, gargantamente falando,
senhores do grito ou do silêncio e, consequentemente, donos dos caminhos
que percorremos, é tomar para si uma função perigosa. Culpa-se, então, a
título de escapatória, o coração, o destino, ou alguma força de ordem
metafísica, ilusões de uma anedota inventada para nos confortar diante
dos paraísos tortuosos da vida.
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